PERSPECTIVA TEOLÓGICA

O tema da morte é tratado exaustivamente na Sagrada Escritura e é objeto da teologia cristã. A teologia judaico-cristã preconiza o supremo valor da vida, como um dom divino, um bem sagrado. Deus é o Senhor da vida. Ele faz nascer e faz morrer. Como declarou Ana em sua oração, “o Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz subir” (I Sm 2.6).

A preservação da vida é determinada no Decálogo mediante uma ordenança objetiva e direta: “Não matarás” (Êx 20.13). A missão de Jesus tem um compromisso explícito com a vida: “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10).

Não compete ao homem decidir sobre a vida: nem a vida do semelhante nem a própria vida. Porém, com a queda de nossos primeiros pais, a morte instalou-se como uma realidade inexorável: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5.12). O pecado promoveu a desestruturação da natureza humana. Por causa do pecado, os homens matam uns aos outros e, também, se matam.

Enquanto o filósofo Émile Durkheim assevera que o suicídio está vinculado a causas sociais, a teologia cristã reformada vai além, focalizando a raiz do problema, para concluir que o fator determinante que produz a morte, quer seja por meio de homicídios, quer seja por meio de suicídios, quer seja pelas próprias causas denominadas “naturais”, é o pecado. O pecado plantou a morte dentro do homem. A morte é antes de tudo uma questão espiritual.

As peculiaridades culturais de determinados povos que têm fascínio pelo macabro; as pressões sociais que provocam no homem o desejo de matar ou morrer; os desajustes psíquicos que fazem dele um ser desequilibrado, com a capacidade de tirar a vida do outro ou a própria vida, nada mais são do que deformidades que expressam o estado miserável a que o homem foi submetido pela Queda.

Anthony Hoekema refere-se a esse estado como “depravação generalizada”: “Depravação generalizada significa, portanto, (1) a corrupção do pecado original que se propaga e afeta todas as partes da natureza humana: da razão e vontade das pessoas aos seus apetites e impulsos; (2) por natureza, o homem não tem o amor a Deus como princípio motivador da sua vida” (Criados à Imagem de Deus, S. Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2010, p. 168).

Não tem como considerar o problema do suicídio fora dessa perspectiva. O suicídio não é um ato de liberdade; é, na verdade, a rendição de alguém que não tem forças para tomar uma decisão melhor.

O homem sem Cristo está espiritualmente morto; não conhece a vida nem a liberdade. Porém, em Cristo, a vida se manifesta e a liberdade é restaurada. Sobre isso, Hoekema afirma: “A verdadeira liberdade do homem, que ele perdeu na Queda, é restaurada no processo da redenção. Quando o Espírito Santo regenera uma pessoa, renova-lhe a imagem de Deus e começa, nela, a obra de santificação, de modo que a pessoa é capacitada a voltar-se para Deus em arrependimento e fé, e a fazer o que é verdadeiramente agradável aos olhos de Deus. O estado da pessoa regenerada passa a ser, como Agostinho definiu, o de “ser capaz de não pecar” (posse non pecare). A redenção, portanto, significa a libertação da “escravidão da vontade”; a pessoa regenerada deixa de ser escrava do pecado” (Op. cit., p. 257).

Mas, uma pergunta certamente se torna inevitável: Como compreender então o suicídio de pessoas religiosas, inclusive cristãs, crentes reconhecidamente tementes a Deus e piedosos? Isso é o que veremos no próximo texto.

Pr. Eneziel Peixoto de Andrade
eneziel@hotmail.com

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