PERSPECTIVA TEOLÓGICA

Em Romanos 6.14, o apóstolo Paulo afirma: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós”. O apóstolo conclui esse capítulo de sua Carta, dizendo: “Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida eterna; porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (vv. 22,23).

Mas, uma pergunta certamente se torna inevitável: Como compreender então o suicídio de pessoas religiosas, inclusive cristãs, crentes reconhecidamente tementes a Deus e piedosos?

A graça de Deus, com certeza, impede que muitos deem cabo da própria vida. O ministério do Espírito impede que façamos o que, porventura, seja do nosso querer: “Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer” (Gl 5.17). Na Carta aos Romanos, o apóstolo Paulo escreve: “Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis” (Rm 8.13). Contudo, é preciso entender que mesmo o crente em Jesus não está automaticamente imune às tentações e misérias do pecado. Resquícios da natureza corrompida persistem e insistem em se manifestar, provocando uma guerra interior, como descreve Paulo no capítulo 7 da Carta aos Romanos (Rm 7.15-24).

É oportuno citar aqui o texto da Confissão de Fé de Westminster que, no seu cap. XIII, § 1, 2 e 3, declara:

“Os que são eficazmente chamados e regenerados, tendo criado em si um novo coração e um novo espírito, são, além disso, santificados real e pessoalmente,  pela virtude da morte e ressurreição de Cristo, pela sua palavra e pelo seu Espírito, que neles habita; o domínio do corpo do pecado é neles todo destruído, as suas várias concupiscências são mais e mais enfraquecidas e mortificadas, e eles são mais e mais vivificados e fortalecidos em todas as graças salvadoras, para a prática da verdadeira santidade, sem a qual ninguém verá a Deus.

Esta santificação é no homem todo, porém imperfeita nesta vida; ainda persistem em todas as partes dele restos da corrupção, e daí nasce uma guerra contínua e irreconciliável – a carne lutando contra o Espírito e o Espírito contra a carne.

Nesta guerra, embora prevaleçam por algum tempo as corrupções que ficam, contudo, pelo contínuo socorro da eficácia do santificador Espírito de Cristo, a parte regenerada do homem novo vence, e assim os santos crescem na graça, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus”.

Mesmo as pessoas crentes em Cristo Jesus não estão isentas de sofrer os efeitos das corrupções da velha natureza. Podem ser acometidas de enfermidades físicas que produzem intenso sofrimento e angústia; podem experimentar desajustes emocionais que levam a uma desorientação existencial; podem até mesmo amargar fracassos espirituais decorrentes de pecados cometidos, sentindo-se esmagadas pelas consequências. É claro que o remédio eficaz para essas situações é a graça de Deus. Entretanto, eventualmente, alguém nessa situação pode chegar a um ponto extremo de desorientação em que se torna incapaz de valer-se dos meios de graça para reencontrar-se e experimentar a paz de Deus que excede todo entendimento. Há de se considerar também que pessoas tomadas por esses quadros de desajustes, frequentemente, fazem uso de medicamentos que podem produzir profundas interferências no estado do indivíduo.

É certo que um cristão verdadeiro, que se alimenta da Palavra de Deus, que mantém comunhão com Ele, que usa diligentemente os meios de graça, que exercita práticas devocionais saudáveis, ainda que enfrente os mais agudos problemas da vida, dificilmente recorrerá ao suicídio como uma saída para os seus problemas. Contudo, pode acontecer, lamentavelmente.

Somente o Senhor é capaz de julgar a cada um, pois ele perscruta o recôndito da alma e as profundezas do coração. E, ainda que alguns insistam em provar o contrário, fato é que a Bíblia não nos autoriza a afirmar categoricamente que um suicida crente em Jesus, tomado por um quadro de desajuste – a nós impossível de ser dimensionado –, esteja automaticamente condenado à perda da salvação e às penalidades eternas. Na Carta aos Romanos, o apóstolo Paulo afirma categoricamente: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.38,39).

Continua no próximo texto.

Pr. Eneziel P. de Andrade
eneziel@hotmail.com

Share →

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *