Pode-se dizer que a Reforma Protestante foi uma redescoberta do Livro da Lei do SENHOR. O entendimento da ênfase reformada à supremacia das Escrituras Sagradas deve considerar a tendência que prevaleceu na Idade Média, em que a interpretação dos Pais da Igreja, as decisões conciliares e os decretos papais falavam mais alto que a Escritura. Esse legado ficou conhecido como “a tradição da Igreja”.

Em muitos aspectos, a tradição da Igreja é uma expressão do ensinamento bíblico; porém, ela inclui questões que não expressam exatamente o ensino escriturístico, que se opõem frontalmente à Escritura e que vão além dela.

No período anterior à Reforma, a Igreja se conduzia muito mais pela tradição do que pelo ensino das Escrituras. Por isso, o anseio reformista propunha, antes de tudo, um retorno às Escrituras. Esse retorno às Escrituras foi decisivo para abalar a estrutura eclesiástica vigente e desencadear a Reforma Protestante. Em seu discurso na Dieta de Worms, Lutero declarou que a sua consciência estava cativa à Palavra de Deus.

A Reforma foi, antes de tudo, um movimento em direção à Sagrada Escritura. Foi a partir da redescoberta da Escritura que se desencadeou a onda de mudanças com desdobramentos que impactaram definitivamente diversos povos e nações.

Para a Igreja Católica Romana, a Igreja antecede a Bíblia. Aliás, alegam os teólogos católicos, a própria Bíblia é fruto da decisão da Igreja, que definiu a formação do cânon a partir de estudos, discussões e decisões conciliares. Daí fica mais fácil entender a razão de a tradição ter tanto peso para os que professam a fé católica. Por esse raciocínio, a própria Bíblia é resultado da tradição da Igreja.

Dizer que as Escrituras foram definidas pela Igreja pode parecer uma afirmação lógica, mas não deixa de ser arriscada, uma vez que Deus sempre falou, desde o início da Criação (Hb 1.1,2). De fato, a Igreja definiu o cânon, mas não seria correto afirmar que Deus só começou a falar após essa definição. Não tem sustentação, portanto, o pensamento de que a Bíblia é dependente da igreja.

Sobre isso, argumenta Herman Bavinck: “A própria Escritura ensina claramente, portanto, que não a igreja, mas a palavra de Deus, escrita ou não, é fidedigna em si mesma e por si mesma. A igreja, em todas as épocas, esteve atrelada à palavra de Deus na medida em que ela existiu e na forma em que ela existiu. Israel recebeu a lei no monte Horebe; Jesus e os apóstolos se submeteram à Escritura do Antigo Testamento. Desde o início, a igreja cristã esteve vinculada à palavra falada e escrita dos apóstolos. A palavra de Deus é o fundamento da igreja (Dt 4.1; Is 8.20; Ez 20.19; Lc 16.29; Jo 5.39; Ef 2.20; 2 Tm 3.14; 2 Pe 1.19; etc.). A igreja pode, de fato, dar testemunho da palavra, mas a palavra está acima da igreja. Ela não pode conferir a ninguém uma crença na palavra de Deus baseada no coração. Isso é algo que só a palavra de Deus pode fazer por si mesma e pelo poder do Espírito Santo (Jr 23.29; Mc 4.28; Lc 8.11; Rm 1.16; Hb 4.12; 1 Pe 1.23)” (BAVINK, Herman. Dogmática Reformada, vol. 1. S. Paulo, Cultura Cristã, 2012, p. 458).

Pr. Eneziel Peixoto de Andrade
eneziel@hotmail.com

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