Leia: ROMANOS 3.19-31; 7.6

Segundo o Evangelista Mateus, Jesus afirma que não veio revogar a Lei, mas cumpri-la (Mt 5.17-20).

Na Carta aos Romanos, Paulo aborda de forma extensa e profunda as questões relacionadas à Lei de Deus. Os destinatários da carta eram pessoas que estavam familiarizadas com um sistema de leis muito avançado. Tudo era resolvido com base nas leis. Contudo, Paulo mostra a eles que, em relação à justificação do pecador diante de Deus, a Lei se mostra insuficiente.

Embora o termo “lei do Senhor” possa ser usado para se referir a toda a Escritura, o seu uso aqui se refere mais propriamente às estipulações e ordenanças contidas no Pentateuco. Quando se fala sobre a Lei de Deus é importante identificar o que é essa Lei. Antes de tudo, faz-se necessário compreender a sua natureza e propósito. A Lei de Deus, conforme apresentada no Antigo Testamento, deve ser entendida sob diferentes aspectos, assim classificados:

· As leis cerimoniais – Tratavam das questões relacionadas ao culto: sacrifícios e ofertas, sábados e festas, os serviços no templo, regulamentações referentes às coisas limpas e imundas, condenação à idolatria, questões sanitárias;

· As leis civis – Regulamentavam questões civis, sociais e judiciais, como propriedades, direitos e deveres individuais, etc.

Como observa o teólogo Peter Enns, “as regras cultuais referiam-se ao relacionamento dos israelitas com Deus, enquanto as regras civis diziam respeito às questões comunitárias ou sociais”

(Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, vol. 4, Editora Cultura Cristã, 2011, SP/SP, p. 869)

· A Lei Moral – Está compreendida no Decálogo, isto é, os Dez Mandamentos (Êx 20.1-17). É a base da ética que norteia a vida, tanto no que se refere ao relacionamento com Deus quanto com o próximo.

A Lei tem ainda alguma serventia, ou já caducou? O cristão está desobrigado de observar os preceitos da Lei dados por Deus no Antigo Testamento? Isso é o que se pretende responder aqui; e a resposta a esses questionamentos passa pelas seguintes considerações:

1.   O aspecto condenatório da Lei

Nos vv. 19 e 20, Paulo afirma: “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado”.

Ao tentar se justificar diante de Deus por meio do cumprimento da Lei, o homem descobre que isso é simplesmente impossível. A Lei expõe o nosso pecado.

Segundo J. J. von Allmen, “o papel da lei consiste, doravante, em dar simultaneamente o conhecimento do pecado e a certeza de que o homem não pode justificar-se a si mesmo. Ele lembra o crente de que é impossível viver senão pela fé”.

2.   A escravidão da Lei e a liberdade proporcionada por Cristo

Nos v. 23 e 24, Paulo afirma que “todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus”. A justificação é pela fé! Sendo assim, a fé na graça divina manifestada na pessoa de Cristo deve prevalecer contra toda forma de legalismo e justiça própria.

A Lei Moral (Dez Mandamentos) é amplamente reiterada no Novo Testamento e deve ser observada; porém, não com propósito meritório, pois o fim da Lei é Cristo para a justiça de todo aquele que crê (Rm 10.1-4). Sobre a vigência da Lei Moral, a Confissão de Fé de Westminster estabelece: “A lei moral obriga para sempre a todos a prestar-lhe obediência, tanto as pessoas justificadas como as outras, e isto não somente quanto à matéria nela contida, mas também pelo respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a deu. Cristo, no Evangelho, não desfaz de modo algum esta obrigação, antes a confirma” (C.F.W, cap. XIX, parág. V).

3.   A observância da Lei como confirmação da fé em Cristo

Paulo conclui o texto com uma pergunta e a imediata resposta: “Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei” (Rm 3.31). No cap. 7 de Romanos, Paulo afirma que a Lei é boa. Ao nos acusar quando transgredimos, ela funciona como um radar que indica que estamos passando dos limites. Então somos levados a entender que ela está a nosso favor; e fazemos bem em obedecê-la. Se soubermos exercitar a fé para administrar a liberdade que alcançamos em Cristo, nossos atos não entrarão em choque com o que a Lei exige.

A Lei tem uma função regulatória e orientadora: proíbe o pecado e adverte quanto às terríveis consequências da transgressão. A Lei também contém promessas de bênçãos decorrentes da obediência; por isso desafia e estimula o cristão a uma vida de retidão e fidelidade.

4.   A liberdade e o amor como expressões do cumprimento da Lei

A Lei é incapaz de garantir ao homem a justificação; isso não significa, entretanto, que ela deva ser descartada. A letra da Lei caducou, mas a sua essência permanece. Segundo a Confissão de Fé de Westminster, as leis cerimoniais e civis foram abrogadas; mas contêm princípios de “equidade geral” (Cap. XIX, parág. III e IV) que, evidentemente, devem ser observados à luz do ensino geral das Escrituras.

Sendo assim, a vida na nova comunidade constituída em Cristo deve ultrapassar as exigências da Lei: o espírito que vivifica suplanta a letra que mata; o amor suplanta o ódio e a indiferença; o perdão suplanta a vingança; a expansão da graça suplanta o exclusivismo imposto pelo legalismo. Agora, como diz Paulo, “servimos em novidade de espírito e não na caducidade da letra” (Rm 7.6). O crente passa a viver assim, não por exigência da Lei, mas porque tem prazer na Lei do Senhor.

Na observância da Lei precisamos tomar cuidado para não adotarmos uma postura nem relapsa nem legalista. Esta orientação de Paulo é por demais oportuna: “Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor. Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5.13,14).

Para finalizar, não podemos deixar de recorrer às palavras de Jesus, conforme o relato do Evangelista Mateus (Mt 22.34-40), onde ele afirma o seguinte a respeito do amor a Deus e ao próximo: “Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas”.

Pr. Eneziel Peixoto de Andrade
eneziel@hotmail.com

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