A Bíblia diz que “somos de Deus e que o mundo jaz no maligno” (I Jo 5.19). Vivemos no meio de uma sociedade corrompida e desprovida da graça de Deus, em que, frequentemente, parece que o mal triunfa sobre o bem.
Particularmente no Brasil, verifica-se uma nação enferma, vitimada pela desigualdade econômica e social, preconceituosa, aprisionada à desinformação e à ignorância, idólatra, amante do pecado, dividida pelo ódio e fadada à miséria.
Nesse cenário, em termos gerais, vê-se uma igreja pouco consciente de sua real missão, agarrada a uma agenda moralista em detrimento da abrangente agenda do reino de Deus; uma igreja cada vez mais desacreditada perante a sociedade; cada vez mais sedenta de poder político e, ao mesmo tempo, sem autoridade espiritual, sem unção, sem poder de transformação da sociedade pela pregação da Palavra e pelo testemunho cristão… enfim, uma igreja cada vez mais esvaziada de sua condição de sal da terra e luz do mundo, que parece não acreditar nas propostas do reino de Deus conforme apresentadas por Jesus, em especial, no Sermão da Montanha. Essa igreja tem visto o mundo na perspectiva do indignado e acomodado profeta Jonas, e não na perspectiva do Deus de amor e misericórdia.
Partindo do que é relatado no livro de Jonas, é possível lançar um olhar sobre as desgraças deste mundo, mas fazendo-o na perspectiva da graça de Deus.
Vejamos então:
- As desgraças deste mundo são resultado não só das ações dos ímpios, mas também da nossa omissão
A palavra do Senhor veio a Jonas, filho de Amitai com esta ordem explícita: “Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim” (Jn 1.2). Jonas, porém, não acatou essa palavra, mas fugiu da presença do Senhor, dirigindo-se para Társis. O Senhor, porém, fez soprar um forte vento sobre o mar, e caiu uma tempestade tão violenta que o barco ameaçava arrebentar-se. Conforme relata Jn 1.5, “os marinheiros, cheios de medo, clamavam cada um ao seu deus e lançavam ao mar a carga que estava no navio, para o aliviarem do peso dela. Jonas, porém, havia descido ao porão e se deitado; e dormia profundamente”.
Essa reclusão de Jonas, em meio à tempestade, tem sido a estratégia adotada por muitos cristãos e muitas igrejas: preferem fingir que está tudo bem. Mas, não é possível permanecer assim! Precisamos despertar, ouvir a voz do Senhor e obedecer. A igreja precisa ir até Nínive, isto é, a essa sociedade que permanece subjugada pelo pecado e, consequentemente, sob a ira de Deus, caminhando a passos largos para a destruição.
Contribuímos para o caos estabelecido, quando nos omitimos em nossa missão de ser sal da terra e luz do mundo… quando nos omitimos na tarefa de pregar o evangelho e testemunhar a nossa fé… quando falhamos em amar e evangelizar os pecadores, passando a desprezá-los ou a provocá-los; enfim, quando nos falta humildade para reconhecer que muitas vezes falhamos em nossa missão.
A orientação de Jesus é clara quanto à estratégia que devemos utilizar (Mt 5.16). Erramos e contribuímos para o caos, quando nos omitimos na prática do evangelho de Jesus; também toda vez que transformamos a doçura do evangelho em algo ácido e tóxico.
- Quando o pecado se multiplica, a graça de Deus excede
A palavra do Senhor veio a Jonas, pela segunda vez, com esta ordem: “Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e proclama contra ela a mensagem que eu te digo. Levantou-se, pois, Jonas e foi a Nínive, segundo a palavra do Senhor” (Jn 3.2,3). Jonas 3.5 a 10 informa que os ninivitas creram em Deus. “Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez”.
A graça de Deus pode transformar os mais vis pecadores. Portanto, nossa missão não é destruir os pecadores, mas estender-lhes a oferta da salvação em Cristo. Não podemos ceder à tentação de destruir os pecadores, sob pretexto de preservar a honra do evangelho ou defender os interesses da igreja. Certa ocasião, os discípulos desejaram fazer isso, mas não receberam a aprovação de Jesus (Lc 9.51-56).
Precisamos crer no poder transformador do evangelho que pregamos, que é “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego” (Rm 1.16). Isso era extremamente inconcebível e desconfortável para Jonas, que desejava o pior para aqueles malditos pecadores; e tem sido desconfortável também para os crentes que, hoje, têm perdido o foco da missão cristã. Jonas ficou indignado com a manifestação da graça de Deus para com os ninivitas. Isso incomoda, também hoje, cristãos que estão com o coração cheio de ódio e desprezo por aqueles a quem consideram adversários. Mas a Palavra de Deus não comtemporiza com os que pensam e agem dessa forma, pois a graça de Deus é estendida, indistintamente, a todas as pessoas (Tt 2.11).
A graça de Deus, derramada sobre os ninivitas e confirmada pelo evangelho de Cristo, mostra que, quando o pecado se multiplica, a graça de Deus excede.
- A ira deve dar lugar à misericórdia; e a evangelização deve ser feita com amor
Conforme o relato do cap. 4.1 a 3, após a manifestação da graça divina para com os ninivitas, Jonas ficou muito chateado. O Senhor então perguntou a ele: “É razoável essa tua ira?” (v.4). Relatam os vv. 5 a 11, que Jonas se afastou da cidade, recolhendo-se sob uma sombra, pra ver o fim da cidade. Porém, ficou decepcionado ao ver que o Senhor decidiu salvar a cidade, em vez de condená-la. Por isso, reafirmou seu desejo de morrer, pois a graça e misericórdia divinas para com aqueles pecadores lhe eram por demais incômodas.
Há algumas estatísticas brasileiras que incomodam bastante. Por exemplo:
– Cerca de 12 milhões de brasileiros se declaram ateus;
– Há no Brasil cerca de 18 milhões de homossexuais;
– Há no Brasil 60 mil casamentos entre homossexuais;
– Há no Brasil cerca de 1 milhão e 500 mil profissionais do sexo, isto é, pessoas que vivem da prostituição;
– No Brasil, cerca de 5 milhões de pessoas já cheiraram cocaína alguma vez; e 1 milhão permanecem como usuários. No total, são mais de 5 milhões de usuários de drogas;
– Quase 1 milhão de brasileiros são portadores do vírus da AIDS;
– O Brasil tem a terceira maior população carcerária do planeta: quase 800 mil pessoas;
– Fala-se em 500 mil a 800 mil abortos clandestinos por ano no Brasil.
Diante desses números que retratam a trágica realidade brasileira, alguns crentes assumem posição ostensiva de ataque a essas pessoas; ou ficam olhando de longe, como Jonas, torcendo para que esses infelizes sejam colhidos pelos seus pecados e fulminados pelo juízo divino. Injustiças e tragédias envolvendo essas pessoas, nem sempre causam comoção – pelo contrário, costumam ser celebradas, como se fossem a manifestação da justiça divina.
Precisamos tomar cuidado com essa postura, pois a Palavra de Deus adverte: “Porque o juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o juízo” (Tg 2.13). Judas, versículos 22 e 23, nos responsabiliza: “E compadecei-vos de alguns que estão na dúvida; salvai-os, arrebatando-os do fogo; quanto a outros, sede também compassivos em temor”. A história da graça de Deus registrada no livro de Jonas, encarnada em Cristo e no seu evangelho, nos faz compreender que a indignação deve ceder lugar à misericórdia; e a evangelização deve ser feita com amor.
Em resumo:
- As desgraças deste mundo são resultado não só das ações dos ímpios, mas também da omissão do povo de Deus.
- Quando o pecado se multiplica, a graça de Deus excede – onde tem abundado o pecado, pode superabundar a graça de Deus.
- O ódio nutrido por alguns crentes deve dar lugar à misericórdia; e a evangelização deve ser feita com amor.
É assim que podemos transformar o Brasil; e essa tarefa não é do Congresso Nacional, não é do Executivo, não é do STF, não é de nenhuma corrente política. Essa missão é nossa, na condição de discípulos de Jesus e porta-vozes do evangelho da graça! O nosso modelo é Jesus! Ele mesmo declarou: “Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido” (Lc 19.10). Cumpramos nossa missão como ordenada por Jesus! Amém.
Rev. Eneziel Peixoto de Andrade
eneziel@hotmail.com